Realidade Virtual: um meio para Service Design Research (1/2)

Um estudo sobre experiências de serviços em ambientes imersivos cuja proposta foi analisar a aplicabilidade da Realidade Virtual como meio para a realização de pesquisas exploratórias no design de serviços.

Almir Henrique Dantas
7 min readJan 10, 2021
Homem negro de camiseta branca e jaqueta preta segurando um óculos de realidade virtual sob um fundo de luz neon azul e rosa.

Bem-vindo(a)! Este é um texto que foi retirado e adaptado da dissertação de mestrado (em design) do autor e está dividido em duas partes para não ficar um texto enorme: essa primeira parte é sobre o contexto e problemática da pesquisa realizada e a segunda parte são os processos metodológicos que foram utilizados, bem como os resultados obtidos e as conclusões geradas a partir do estudo.

Boa leitura 😉

A revolução digital fez com que a demanda dos clientes por boas experiências se tornassem ainda mais potentes (Stickdorn, et. al. , 2018), e essa “economia da experiência” (Pine e Gilmore, 2013) é o que dita o ritmo da inovação em soluções onde funcionalidades e usabilidade já não são suficientes, pois essas, já são características esperadas e são consideradas básicas num produto. O que os clientes buscam hoje são conexões e experiências emocionais, isto é, mais do que oferecer uma experiência de serviço prazerosa, é ajudar a criar e a expressar identidades (Stickdorn e Schneider, 2014).

As organizações bem-sucedidas desses novos tempos serão determinadas por quanto seus serviços são bem integrados e, o mais importante, o quanto se integram bem na vida dessas “novas” pessoas (Kalbach, 2017) e quando o serviço se torna visivelmente importante para todas as empresas, o foco da inovação se volta para a qualidade da experiência dos serviços oferecidos.

Os serviços dão uma contribuição significativa para a economia e são cada vez mais reconhecidos por seu papel transformador na sociedade, como eles afetam a maneira como a sociedade se organiza, se move, se interage e gerencia suas próprias vidas (Sangiorgi e Prendiville, 2014) e, visto que um serviço é um processo no qual organizações se destinam a fornecer recursos intangíveis e tangíveis a fim de criar um valor para o cliente (ISO/ IEC 20000–1 Information Technology , 2005), e, como hoje em dia, os mundos digitais e físicos do serviço se misturam cada vez mais, o design do serviço se estende ao design dos serviços digitais também, oferecendo então uma abordagem centrada no humano para a inovação dos serviços, sendo este um aspecto essencial para a entrega de soluções mais eficazes e inovadoras que têm a capacidade de enfrentar desafios contemporâneos (Sangiorgi e Prendiville, 2014).

A relação entre produtos e serviços está cada vez mais homogênea e com isso, o design de serviços torna-se um caminho promissor para projetar experiências mais holísticas e centradas no usuário, onde seu processo consiste basicamente nas fases de exploração, criação, reflexão e implementação (Stickdorn e Schneider, 2014).

Na fase de exploração, o designer busca entender a cultura e as metas da empresa que oferece (ou vai oferecer) o serviço, identifica um problema real a partir das perspectivas dos usuários/clientes ou mesmo da organização e, visualiza os dados obtidos a fim de simplificar processos complexos e intangíveis.

Uma experiência do serviço deve ser analisada e construída a partir da perspectiva do usuário (cliente), pois o diálogo com clientes é capaz de identificar necessidades profundamente arraigadas ou ocultas e tendências culturais. (Stickdorn e Schneider, 2014)

Como parte desse processo, as pesquisas de exploração (parte das pesquisas de design — Design Research) são essenciais para obter o entendimento de todo o ecossistema do serviço e de todos os pontos de contato do cliente na jornada, com o intuito de identificar possíveis falhas em processos e explorar oportunidades de melhorias em fluxos e tarefas que possam otimizar tanto o trabalho interno dos prestadores do serviço como a própria a experiência do cliente.

Dessa forma, a presença do(a) designer no local do serviço torna-se crucial para uma investigação mais profunda, exigindo do(a) profissional uma postura etnográfica, onde, por meio de uma observação direta da experiência a partir da imersão, podem ser revelados detalhes valiosos para insights e análises futuras. Porém, nem sempre o designer pode estar fisicamente no local a ser explorado ou mesmo revisitar o local para novas investigações.

Sendo assim, como essa imersão, a partir de uma observação direta, pode ser feita remotamente, mantendo a eficácia de uma pesquisa exploratória no ambiente do serviço?

…se tu quem escreveu o trabalho não sabe, imagina eu 😆

Bem, nesse contexto, as tecnologias de virtualidade imersivas emergentes, como a realidade virtual, surgem como uma possível resposta, devido a sua capacidade de potencializar uma experiência através de reproduções realísticas em meios digitais. Em virtude do seu alto aspecto simulativo e imersivo, proporcionam uma telexistência e, consequentemente, uma telepresença, permitindo que as pessoas sintam-se presentes em um determinado ambiente, quando na verdade estão distantes física e geograficamente (Greengard, 2019).

Dessa maneira a realidade pode assumir várias formas, desde um ambiente real (tangível) até um conjunto de possibilidades potenciais de um ambiente, o virtual (imersivo e sensorial), variando em um“ continuum da virtualidade” (Jerald, 2015).

Numa experiência de Realidade Virtual, onde a imersão em um ambiente se dá de forma totalmente virtual, há 4 (quatro) elementos-chaves (Sherman e Craig, 2003): o mundo virtual, onde acontece toda a narrativa da experiência; a imersão propriamente dita, que se refere ao grau de sensação de presença que a experiência pode proporcionar; os feedbacks sensoriais, que são as respostas ou estímulos que o sistema de RV entrega ao usuário; e, a interatividade, ou seja, a capacidade que o sistema tem fazer com o que o usuário consiga afetar (interagir com) o mundo virtual e ser afetado por ele na experiência.

Embora a tecnologia ainda seja pouco difundida, pois entende-se que esse tipo de tecnologia não é muito acessível, pois seu custo ainda é muito alto e o uso de alguns equipamentos podem desencadear doenças e mal estar em algumas pessoas, atualmente é possível encontrar aplicações de Realidade Virtual não só para games e entretenimento (eventos online — steamings e lives), como muitos imaginam, mas sim em vários contextos:

Saúde: para tratamentos de Alzheimer, reabilitações motoras, relaxamento pré e pós-traumáticos, exercícios físicos e meditações, treinamentos de cirurgias e procedimentos arriscados, entre outros.

Educação: Treinamentos especiais, aulas com conteúdos imersivos, conferências online, visualização de infográficos interativos, visita a museus, entre outros.

Indústrias e empresas: treinamentos de funcionários para manusear equipamentos e peças, conferências e reuniões, visualização de dados, prototipação de produtos, etc.

Setor militar: treinamentos militares e simulações.

Setor imobiliário e turismo: visualização de ambientes e locais turísticos.

Varejo: experimentação e venda de objetos, como roupas, acessórios, automóveis, etc.

Portanto, a tecnologia de realidade virtual mostra ser também um meio em potencial para simular ou promover, de fato, experiências de serviços que entregam valor ao cliente e satisfaçam suas necessidades (Stickdorn, et. al., 2018).

O termo “realidade virtual” é amplamente discutido e muitas vezes tido como contraditório, como se fossem extremos opostos (real vs. virtual), onde na verdade, real e virtual são uma falsa dicotomia. Etimologicamente, “Realidade” é um termo originário do latim realitas, isto é, “coisa”, ou “tudo o que existe”, portanto uma efetuação material, uma presença tangível de coisas e objetos (Lévy, 1996), “o estado ou qualidade de ser real, algo que existe independente das ideias sobre isto.”. Já o termo “Virtual”, também vindo do latim virtualis, derivado de virtus, quer dizer “força”, “potência”, ou seja, “é virtual o que existe em potência, é o ser em essência ou efeito, e não em ato.” (Webster’s New Universal Unabridged Dictionary, 1989).

O virtual, portanto, é tido como um complexo problemático, um nó de tendências, forças e possibilidades, mostrando que “o virtual não se opõe ao real, mas sim ao ‘atual” (Lévy, 1996). Para entender esse conceito melhor, Lévy (1996) sugere que, como uma semente tem uma árvore em potência, a árvore, portanto, é virtual à semente, ou seja, a semente é em essência e em potência, uma árvore, que até sofrer um processo de “atualização” e vir a ser finalmente uma árvore de fato, é “apenas” um conjunto de possibilidades, forças e tendências.

… árvore virtual à semente… interessante né?

Sendo assim, a virtualização (de ambientes) é um processo de potencialização, onde são gerados novos espaços (desterritorializando-os), e novas velocidades (Lévy, 1996), criando uma experiência ambiental, com interfaces multissensoriais, caracterizando uma multiexperiência (Greengard, 2019). Dentre esses novos espaços, são criados cada vez mais espaços de experimentação, onde são possíveis reproduzir situações que são caras, arriscadas, perigosas, raras e até mesmo impossíveis no meio real, físico.

Nessa experimentação, ou melhor dizendo, nessa prototipação, as tecnologias imersivas já estão sendo utilizadas como meios de prototipar ou incrementar serviços. Estudos (Razek, et. al., 2018) apontam que a RV é, dentre as tecnologias imersivas, a que mais possui estudos publicados quanto a prototipação de serviços, contando inclusive com laboratórios específicos ao redor do mundo, como o “ServLab” do Fraunhofer IAO, na Alemanha, o “s-Scape” da KITECH, na Coreia do Sul, e o “SINCO” da Universidade da Lapônia e, com métodos científicos para essa finalidade, como o Bodystorming Virtual e Percurso de Serviços em RV, por exemplo (Boletsis, et. al., 2017 e 2018).

Mas será que a RV também pode ser utilizada em fases iniciais de pesquisas no processo do design de serviços? Se sim, como?

Pois bem, foi a partir dessa problemática que a pesquisa e os experimentos foram guiados, onde o intuito do estudo foi validar ou refutar a hipótese de que a realidade virtual pode ser utilizada como meio para pesquisas remotas em design de serviços, auxiliando o(a) designer no processo de observação e compreensão da jornada do cliente, a partir da potencialização da experiência, através do senso de presença em ambientes virtuais imersivos.

Parte 2 - A Pesquisa >>

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