Realidade Virtual: um meio para Service Design Research (2/2)

Um estudo sobre experiências de serviços em ambientes imersivos cuja proposta foi analisar a aplicabilidade da Realidade Virtual como meio para a realização de pesquisas exploratórias no design de serviços.

Almir Henrique Dantas
8 min readJan 13, 2021

Visto o contexto desse trabalho, e continuando com a parte da pesquisa…

A Pesquisa

A partir da problemática “será que a RV também pode ser utilizada em fases iniciais de pesquisas no processo do design de serviços? Se sim, como?”, foi feito um estudo científico a fim de validar ou refutar a hipótese de que a realidade virtual pode ser utilizada como meio para pesquisas remotas em design de serviços, auxiliando o(a) designer no processo de observação e compreensão da jornada do cliente, a partir da potencialização da experiência, através do senso de presença em ambientes virtuais imersivos.

Para validar ou refutar a hipótese descrita, foram analisados, como objetos de estudo, aplicações em realidade virtual que simulam ambientes e experiências de serviços variados: The Kremer Collection VR Museum , uma aplicação de museu em RV, a Transported , uma aplicação de venda imobiliária em RV e, a Bigscreen Beta, uma aplicação de entretenimento audiovisual (cinema) em RV. Essas aplicações serviram de objeto para um estudo de caso de caráter instrumental, onde foi utilizado o equipamento Oculus Rift, pois possui uma baixa probabilidade de desencadear doenças e mal estar devido a qualidade dos gráficos realistas e imagens em alta resolução.

A seleção dessas três aplicações se deu a partir da aplicação de critérios de inclusão e exclusão. Como critérios de inclusão foram elencados: o fator preço, (tinham que ser aplicações disponíveis na loja virtual Oculus de forma gratuita), o fator propósito (tinham que aplicações de experiências voltadas para serviços) e, o fator interações (tinham que ser aplicações com uma quantidade média ou grande de possibilidades de interações). Já como critério de exclusão foi utilizado o fator desempenho, ou seja, as aplicações que não tiveram um bom desempenho ou uma performance ideal, isto é, sem travamentos ou com lentidão foram ignoradas para essa pesquisa.

Quanto aos processos científicos que nortearam a pesquisa, pode-se compreender a partir desse esquema visual:

Metodologia Geral: estudo de caso (Gil, 1995) como a metodologia de investigação científica, na qual consiste em uma delimitação da unidade-caso, seguida da coleta de dados, seleção, análise e interpretação desses dados e, por fim, a elaboração de relatórios e conclusões.

Método Científico: hipotético dedutivo, pois trata-se da identificação de um problema, seguido da proposição de conjecturas e por fim testes de falseamento (Markoni e Lakatos, 2010).

Métodos de Design: 1. Safári de Serviços (Martin e Hanington, 2012), no qual são explorados um conjunto de serviços e 2. Percurso de Serviços em RV (Boletsis, 2018), no qual são percorridas toda a jornada de um serviço em Realidade Virtual.

Métodos de Investigação/ Heurísticas Analisadas: 1. AT ONE (Clatworthy, 2008 e Stickdorn e Schneider, 2014), na qual consiste em investigar pontos em uma experiência de serviço, sendo eles: Atores (Actors), Pontos de Contato (Touchpoints), Ofertas do Serviço (Offers), Necessidades do Usuário/cliente (Necessities) e Experiência do Serviço (Experience); e AEIOU (Robinson, et al., 1991 e Martin e Hanington, 2012), na qual consiste em analisar os pontos: Atividades realizadas no serviço (Activities), Ambientes envolvidos no serviço (Environments), Interações do serviço (Interactions), Objetos do serviço (Objects) e Usuários envolvidos no serviço (Users).

Tipo de Observação: Sistemática Estruturada, ou seja, aquela na qual o observador sabe o que precisa observar e que se dá sob condições e ambiente controlado (Markoni e Lakatos, 2010).

Desenho Geral do Estudo.

Baseando-se nas Heurísticas selecionadas acima [AT ONE (Clatworthy, 2008 e Stickdorn e Schneider, 2014) e AEIOU (Robinson, et al., 1991 e Martin e Hanington, 2012), foram traçados e compilados uma lista de 8 (oito) pontos de investigação para serem observados e analisados em cada experiência de serviço em RV, que contaram com perguntas norteadoras que serviram de suporte para a análise:

Esses pontos foram consolidados e registrados em mapas de experiências (Kalbach, 2017) adaptados, sendo um para cada serviço, registrando as relações e a cronologia de cada evento e de cada momento percebido.

Resultados

Após a identificação dos itens de cada ponto de investigação citados acima e a consolidação desses itens em mapas da experiência de cada serviço, foi aplicado um cálculo para obter-se um coeficiente da eficácia na identificação de cada ponto de investigação. Esse cálculo consistia em um somatório de todos da quantidade de itens encontrados para um ponto de investigação, seguido de uma média entre as três experiências e, multiplicado pelo fator (peso) do nível de facilidade da percepção de cada ponto, sendo fator 1 para itens (ou ponto) que foram difíceis de perceber, fator 2 para itens que tiveram uma percepção mediana e, fator 3 para itens que foram fáceis de perceber em todas as experiências de serviço em RV observadas.

Após a aplicação do cálculo e a obtenção dos valores coeficientes de cada ponto de investigação, foi elaborada uma escala que mostra a relação entre a facilidade das percepções de cada de ponto investigação nas experiências de serviço em RV observadas, podendo comparar o grau de profundidade das investigações que é possível ter em cada ponto:

*O ponto de investigação Ambientes não fez parte do cálculo, pois uma de suas aplicações tratou-se justamente de explorar ambientes imobiliários (residências e estabelecimentos comerciais). Então, a quantidade de ambientes percebidos nessa experiência foi um destaque exponencial com relação as outras, o que demonstra que esse ponto é o mais eficaz de ser percebido em experiências de RV.

Dificuldades e Implicações

Esse estudo foi realizado em um período no qual o mundo enfrenta a pandemia causada pelo vírus COVID-19 (meados de 2020), no qual obrigou a todos o isolamento social e a quarentena. Com isso, o escopo da pesquisa precisou ser adaptado e, como os experimentos deste trabalho requeriam condições específicas, como um ambiente controlado e equipamentos de pouca mobilidade, a logística tornou-se inviável e não foi possível realizar testes, tanto com usuários como com especialistas, além do que, a realização desses experimentos de forma remota exigiam que as pessoas possuíssem os mesmos equipamentos e condições do pesquisador.

Outra implicação é que as aplicações de realidade virtual ainda não estão no seu platô de maturidade e acessibilidade, então uma das dificuldades para a realização deste trabalho foi encontrar aplicações que pudessem ser associadas a experiências de serviços, seguindo os critérios de inclusão e exclusão definidos para a pesquisa.

Portanto, compreende-se que essa pesquisa se feita sob outras condições, pode apresentar resultados diferentes dos obtidos.

Conclusões

Entende-se que há várias maneiras do(a) designer entender um serviço de forma remota, como por exemplo o uso de fotografias, vídeos, vídeo-conferências, storyboards , storytellings , fluxogramas, mapas conceituais, entre tantos outros. Porém, nenhum desses métodos pode oferecer o nível de imersão que só a realidade virtual pode proporcionar.

Como conclusões da pesquisa, pôde ser demonstrado que a hipótese foi validada: a tecnologia de Realidade Virtual pode ser utilizada como meio para pesquisas no design de serviços, pois as experiências observadas obedeceram os pilares do design de serviços (Stickdorn et. al., 2018):

1 — Centrado no usuário: as aplicações observadas podem ser testadas a partir de das perspectivas dos stakeholders.

2 — Colaborativo: os stakeholders podem e devem estar envolvidos no processo, complementando o entendimento obtido através da RV.

3 — Iterativo: as implementações são baseadas em análises de oportunidades exploradas previamente.

4 — Sequencial: é possível visualizar a sequência de ações inter-relacionadas durante o serviço num determinado espaço de tempo.

5 — Real: as experiências são baseadas em necessidades reais e óbvias ao usuário.

6 — Holístico: todo o ambiente virtual e contextos são levados em conta na construção da experiência e na investigação das pesquisas.

Além disso, foi elaborada uma lista de recomendações para o uso da realidade virtual como meio de pesquisas exploratórias no design de serviços:

Além dessas recomendações, os resultados mostraram que as experiências de serviço em realidade virtual observadas não têm um começo (encontro pre-core do serviço), onde o cliente é persuadido ou seduzido a experimentar ou usufruir do serviço, nem um fim (encontro post-core do serviço), onde o cliente é fidelizado e pode avaliar o serviço (Voorhees, et. al., 2017). Então, é recomendado que as pesquisas que forem realizadas nesse contexto sejam complementadas com entrevistas remotas com os stakeholders, para se ter uma total compreensão de como é a comunicação, o negócio e o primeiro contato do cliente com a marca que oferece o serviço, bem como as estratégias de fidelização e de avaliações que os clientes realizam após utilizar o serviço.

Com isso, chegamos as principais vantagens e desvantagens do uso da realidade virtual em pesquisas exploratórias do design de serviços:

👎 Como principais desvantagens pode-se citar:

1. Custo para aquisição de equipamentos sofisticados que produzam uma experiência realística e de alta qualidade;

2. Complexidade de produção e desenvolvimento, em se tratando de experiências gráficas e interações de alta fidelidade;

3. Possibilidade de provocar doenças e mal-estar em algumas pessoas.

👍 E como principais vantagens pode-se citar:

1. Profundidade nas pesquisas de observação e exploração que envolvem interações em ambientes, de forma menos invasiva;

2. Capacidade de potencializar o senso de presença do(a) designer numa experiência através da telexistência e da telepresença;

3. Práticas remotas de pesquisas a partir da desterritorialização e atemporalidade.

Obrigado por ler até aqui!

Espero que tenha gostado do trabalho realizado. 😊 Querendo trocar uma ideia sobre o assunto é só entrar em contato.

Agradeço especialmente ao meu professor orientador Eduardo Oliveira que sempre me deu o apoio necessário para seguir em frente apesar de todos os obstáculos e dificuldades encontradas ao longo do caminho.

É isto… Eu sempre acreditei no poder da abstração para experimentar e imaginar como as coisas (produtos, serviços, objetos, experiências…) poderiam ser, funcionar e melhorar a vida das pessoas, sabe? E, com esse estudo, pude enxergar nas tecnologias imersivas de realidades estendidas, um incrível potencial para esse propósito inspirador e inovador.

Aprendi com esse trabalho que cabe portanto, a nós designers, evoluir os processos e os métodos para encontrar formas de tornar essas tecnologias mais acessíveis e viáveis, para que possamos explorar novas realidades, um “design de realidades”, cada vez mais sistêmico, social e holístico.

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